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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Sincretismos Religiosos Brasileiros Parte III


61 Tabela organizada com base nas informações extraídas de DAMASCENO, 2008; MANUELA, 2007; PRANDI, 2008; SILVA, 2005.












Os Candomblés de Nação Ketu, Efã e Ijexá cultuam um deus supremo chamado de Olorun ou Olodumaré e a natureza deificada, personificada nas divindades chamadas Orixás. Os atabaques são tocados com aguidavis (espécie de varinha) e as cantigas são quase todas na língua iorubá.(62)
Apesar de existir na África cerca de 400 Orixás, só alguns tiveram parte do seu culto preservado no Brasil, em um total que não ultrapassa 40 divindades. Um fato que chama a atenção é que algumas divindades que originalmente eram Voduns na África foram adicionadas ao panteão nagô e passaram a fazer parte do ritual, sendo inclusive consideradas no Brasil como Orixás.

Nos Candomblés de Nação do modelo nagô existe ainda o culto aos eguns, ou espíritos dos ancestrais, que ocorre no quarto de balê, um recinto separado do local onde se cultua os Orixás, e que possui um sacerdote próprio, chamado de Baba Ojé, preparado especialmente para este tipo de culto.

Os fundamentos dos Candomblés de Nação do modelo de culto sudanês nagô, muitos dos quais incluem ou são baseados nas histórias, lendas e mitos acerca dos Orixás, são passados oralmente pelos sacerdotes da religião, chamados de Babalorixá (masculino) e Yalorixá (feminino), durante os rituais de iniciação e de elevação hierárquica. Além das tradições religiosas, nestes rituais também são ensinados as danças, as cantigas, o preparo das comidas sagradas, a cuidar de espaços sagrados e os votos de segredo e obediência.
Um fenômeno interessante que parece ter surgido no Candomblé de Nação Ketu (e dele se espalhado para as demais nações) é o movimento de recuperação das raízes africanas, o qual tem rejeitado o sincretismo com o catolicismo e com as práticas indígenas, buscado o aprendizado da língua iorubá e a redescoberta dos ritos, histórias e lendas dos Orixás que se perderam ao longo do tempo, contando, inclusive, com viagem de sacerdotes do Brasil até a Nigéria e o Benin para realizar pesquisas in loco.


Os Candomblés de Nação Jeje-Fon e Jeje-Mahin cultuam uma deusa suprema chamada de Mawu e a natureza deificada, personificada nas divindades chamadas Voduns. Tais divindades são agrupadas em famílias (Savaluno, Dambirá, Davice, Hevioso, etc.), as quais se subdividem em linhagens, interligadas entre si por comportamentos, costumes, gostos e atitudes.

Apesar de existir na África cerca de 450 Voduns, a grande maioria não é cultuada aqui no Brasil.

Dos que aqui são cultuados, somente alguns chegam a ter culto a nível nacional, ficando a maioria restrita a nível regional. Quando estão incorporados, os Voduns mantêm os olhos abertos e conversam com a assistência, dando bênçãos, conselhos e recados.(64)

Os fundamentos dos Candomblés de Nação do modelo de culto sudanês jeje, muitos dos quais incluem ou são baseados nas histórias, lendas e mitos acerca dos Voduns, são passados oralmente pelos sacerdotes da religião.

A iniciação jeje requer um longo período de confinamento, podendo durar de seis meses a um ano, onde são ensinadas as tradições religiosas, as danças, as cantigas, o preparo das comidas sagradas, a cuidar de árvores e espaços sagrados e os votos de segredo e obediência. Em alguns Candomblé de Nação jeje são realizadas provas físicas com os iniciados para testar a veracidade da incorporação, pois acreditam que se o iniciado estiver realmente incorporado nenhum mal ocorrerá a ele durante a prova. Um dos testes que costumam ser utilizados nestas ocasiões consiste em mergulhar a mão no azeite de dendê fervendo.(65)

As celebrações religiosas das nações jeje podem ser divididas em dois grupos: aquelas que são restritas aos iniciados, podendo levar vários dias, e as públicas que podem durar até sete dias. Ao final dos rituais de obrigação, todos são convidados a compartilhar da refeição comunal reparada
com as carnes dos animais sacrificados às divindades.(66)




63 Tabela organizada com base nas informações extraídas de MANUELA, 2007; PRANDI, 2008; SILVA, 2005.


64 MANUELA, 2007.
65 MANUELA, 2007.
66 MANUELA, 2007.
67 Tabela organizada com base nas informações extraídas de MANUELA, 2007; PRANDI, 2008; SILVA, 2005.



Dentre todos os Candomblés de Nação, sejam eles do modelo de culto banto, sudanês nagô ou sudanês jeje, o que apresenta maior projeção nacional é o Candomblé de Nação Ketu. Tal projeção tem provocado, atualmente, um fenômeno de assimilação das práticas rituais dessa nação pelas demais, como o idioma e as cantigas utilizadas, a forma como os atabaques são tocados e o culto as divindades. Sobre este aspecto, é interessante notar o sincretismo que tem surgido atualmente dos inquices e dos Voduns com as lendas, histórias, domínios, cores e símbolos dos Orixás da nação Ketu, como se aqueles fossem estes com nomes diferentes.

Assim como outras religiões sincréticas, nesta não existe um padrão escrito que torne todos os rituais idênticos em cada local de culto. Além dos fundamentos básicos dessa religião, que são comuns a todos os locais de culto, existem pequenas variações ritualísticas nesses lugares, as quais estão intrinsecamente relacionados aos seus dirigentes, o que faz de cada um deles único em seu formato ritualístico.




CANDOMBLÉ DE CABOCLO


Ainda no século XIX, um outro tipo de sincretismo surgiu de dentro das antigas Casas de Candomblé da Bahia, um no qual foram preservadas algumas tradições indígenas, fazendo com que um tipo de egum, o Caboclo, ganhasse expressividade, um ritual a parte para si e acabasse por dar nome a nova religião que nascia: o Candomblé de Caboclo.


O Candomblé de Caboclo é uma religião com forte presença em Salvador e na região do Recôncavo Baiano, embora seja encontrado em praticamente todo o país. Embora muitos não se definam assim, pode-se afirmar que a maioria dos Candomblés existentes hoje na Bahia sejam de Caboclo.(68)

Segundo Reginaldo Prandi, “O termo candomblé de caboclo teria surgido na Bahia, entre o povo-de-santo ligado ao candomblé de nação queto, originalmente pouco afeito ao culto de caboclo, justamente para marcar sua distinção em relação aos terreiros de caboclos.”(69)

No Candomblé de Caboclo, a exemplo do que ocorre nos Candomblés de Nação do modelo de culto banto, os atabaques são tocados com as mãos e as músicas são cantadas em português, com uso freqüente de termos rituais de origem banto. Muitos adeptos chegam inclusive a considerá-lo como uma variação do Candomblé de Nação Angola.

O Candomblé de Caboclo apresenta um dos panteões mais abrangentes das religiões sincréticas brasileiras. Nele cultua-se um deus supremo chamado de Zambi ou Zambiapongo e a natureza deificada, personificada nos Inquices e em alguns Orixás, convivendo lado a lado as tradições banto e iorubá. Nele existe também a tradição ameríndia de culto às entidades conhecidas como Caboclos, que se tornaram tão importante no ritual quanto as divindades africanas. Mais recentemente alguns barracões assimilaram práticas de uma outra religião sincrética brasileira e passaram a adotar em
seus rituais o culto aos erês (espíritos de crianças), aos Exus (a entidade, não o Orixá) e às Pombagiras.


Sobre os Caboclos, em vários barracões eles costumam ser divididos em dois grupos: os Caboclos de Pena, que representariam os espíritos de indígenas e que usam cocares de penas e os Caboclos de Couro ou Boiadeiros, que representariam os mestiços mamelucos brasileiros das regiões rurais e que usam chapéu de couro.

Durante a cerimônia na qual ocorre a manifestação daquelas entidades, muitos filhos e filhas-de santo incorporados utilizam um cocar de pena, representações de arco e flecha e fumam charuto, no caso de receberem um Caboclo de Pena, ou utilizam um chapéu de couro, uma representação de laço de amarrar bois e fumam cigarros de palha, no caso de receberem um Caboclo de Couro. Em ambos os casos, as entidades bebem vinho e conversam com as pessoas utilizando um português popular meio antigo. Como são tidos como profundos conhecedores da flora local, os Caboclos são considerados curandeiros e/ou feiticeiros poderosos.

Assim como outras religiões sincréticas, nesta não existe um padrão escrito que torne todos os rituais idênticos em cada local de culto. Além dos fundamentos básicos dessa religião, que são comuns a todos os locais de culto, existem pequenas variações ritualísticas nesses lugares, as quais estão intrinsecamente relacionados aos seus dirigentes, o que faz de cada um deles único em seu formato ritualístico.



OS SINCRETISMOS SURGIDOS EM ALAGOAS
DURANTE O PERÍODO IMPERIAL




XAMBÁ


No século XIX, a exemplo do que ocorreu na Bahia, tradições religiosas sudanesas nagô foram sendo aos poucos adicionadas ao sincretismo banto-católico-ameríndio existente no estado de Alagoas, levando ao surgimento da religião sincrética conhecida como Xambá ou, como dizem alguns, Nação Xambá.

Atualmente o Xambá é praticado em Alagoas, na Paraíba e, principalmente, em Pernambuco, havendo
relatos de que tenha se estabelecido neste último por volta da década de 1920.(70)

À semelhança dos Candomblés de Nação do modelo de culto sudanês nagô, o Xambá cultua um deus supremo chamado de Olorun ou Olodumaré e a natureza deificada, personificada nas divindades
chamadas Orixás, entre os quais podemos citar: Euá, Exu, Iemanjá, Logun Edé, Nanã, Obá, Obaluaiê, Ogum, Oiá, Orixalá, Ossaim, Oxóssi, Oxum, Oxumarê e Xangô.

Assim como outras religiões sincréticas, nesta não existe um padrão escrito que torne todos os rituais idênticos em cada local de culto. Além dos fundamentos básicos dessa religião, que são comuns a todos os locais de culto, existem pequenas variações ritualísticas nesses lugares, as quais estão intrinsecamente relacionados aos seus dirigentes, o que faz de cada um deles único em seu formato
ritualístico.




70 WWW.XAMBA.COM.BR, 2007.



OS SINCRETISMOS SURGIDOS EM PERNAMBUCO
DURANTE O PERÍODO IMPERIAL


XANGÔ DO NORDESTE


No século XIX, a exemplo do que ocorreu na Bahia, tradições religiosas sudanesas nagô foram sendo aos poucos adicionadas ao sincretismo banto-católico-ameríndio existente no estado de Pernambuco, levando ao surgimento da religião sincrética conhecida como Xangô do Nordeste, Xangô de Pernambuco, Xangô do Recife ou Nação Nagô Egbá.


O principal nome pelo qual é conhecida essa religião, Xangô do Nordeste, é oriundo do próprio nome de uma das suas divindades mais cultuadas, o Orixá Xangô, e ao local onde se originou e onde é mais facilmente encontrada: o nordeste brasileiro. Atualmente o Xangô do Nordeste é praticado em Sergipe, em Alagoas, na Paraíba, e principalmente, em Pernambuco.

À semelhança dos Candomblés de Nação do modelo de culto sudanês nagô, o Xangô do Nordeste cultua um deus supremo chamado de Olorun ou Olodumaré e a natureza deificada, personificada nas divindades chamadas Orixás, entre os quais podemos citar: Euá, Exu, Iemanjá, Logun Edé, Nanã, Obá, Obaluaiê, Ogum, Oiá, Orixalá, Ossaim, Oxóssi, Oxum, Oxumarê e Xangô.

Assim como outras religiões sincréticas, nesta não existe um padrão escrito que torne todos os rituais idênticos em cada local de culto. Além dos fundamentos básicos dessa religião, que são comuns a todos os locais de culto, existem pequenas variações ritualísticas nesses lugares, as quais estão intrinsecamente relacionados aos seus dirigentes, o que faz de cada um deles único em seu formato ritualístico.

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CONTINUA BREVEMENTE
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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sincretismos Religiosos Brasileiros - PARTE II


OS BANTOS

A partir do século XV inicia-se uma das maiores migrações forçadas da história da humanidade, na qual milhões de africanos que haviam sido capturados em seus territórios ancestrais, na maioria das vezes por outros africanos de tribos rivais, foram levados para o litoral e vendidos como escravos para os europeus e brasileiros em portos específicos na África e trazidos nessas condições para o Brasil.

Durante o final do século XVI e final do século XVIII, a principal etnia (40) trazida para o Brasil foi a dos bantos, povo que durante o período de colonial brasileiro ocupava a maior parte do continente africano situado ao sul do Equador, na região onde hoje estão localizados o Congo, a República Democrática do Congo, Angola e Moçambique, entre outros.


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40 Etnia designa um grupo de origem e cultura comuns.
41 Figura disponível em
http://www.multirio.rj.gov.br/portal/popup/rotas_escravidao/index.htm
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Apesar de os bantos dominarem praticamente toda a África Subsaariana nos séculos citados acima, pesquisas arqueológicas recentes indicam que a provável área de origem ancestral desta etnia é o sudeste da atual Nigéria, ao longo do vale do Cross River, e que por volta de 2.000 a.C. eles teriam iniciado uma grande migração para o sul, através da qual difundiram suas tradições.(43)

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42 Figura disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:African_languages.png
43 DORLING KINDERSLEY LIMITED, 2005, p. 160.
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Figura 13 – Provável área de origem e rotas de migração da etnia banto.(44)



Parece que a grande maioria dos bantos que foram trazidos para o Brasil cultuavam um deus supremo chamado de Nzambi (45), Nzambi Mpungu (46) ou Anganga Nzambi (47) e a natureza deificada, personificada nas divindades chamadas Inquices. Entre as línguas faladas por esta etnia estão o quicongo (Congos e Norte de Angola), o quimbundo (centro de Angola) e o umbundo (sul de Angola).

Durante o período colonial brasileiro, os africanos vendidos no litoral eram classificados em nações, as quais estavam relacionadas ao porto ou região em que era realizado o comércio de escravos com os europeus. Assim, com base nesse sistema, a etnia banto foi dividida em “nações”, sendo algumas delas: Angola, para os embarcados em Luanda; Benguela, para os embarcados em Benguela; Cabinda, para os embarcados em Cabinda; Congo, para os embarcados em Loango e Malemba; e Moçambique, para os embarcados em Moçambique e Maputo.

Assim que chegavam ao Brasil, os africanos escravizados eram logo submetidos a aculturação portuguesa, traduzida principalmente na catequese católica: eram batizados e recebiam um nome “cristão”, pelo qual seriam conhecidos a partir daquele momento.
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44 Adaptado da figura disponível em http:\\images.encarta.msn.com\xrefmedia\aencmedtargetsmaps\mhi000f2413.gif
45 Nzambi significa Deus.
46 Nzambi Mpungu significa Deus Supremo.
47 Anganga Nzambi significa Senhor Deus.
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48 - Mosaico criado com base nas figuras feitas por Rugendas,
disponível em: http://www.brevescafe.oi.com.br/trafico_ rugen.htm
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OUTROS SINCRETISMOS SURGIDOS NO PERÍODO COLONIAL

CALUNDU


Assim como os tupis, os bantos também tentaram preservar suas tradições religiosas no Brasil, adaptando suas crenças às condições de escravidão a que estavam submetidos. A principal forma encontrada por eles (a semelhança do que foi feito pelos tupis décadas antes) foi associar os santos católicos aos seus deuses, no caso os Inquices, de acordo com as características que ambos (santos e Inquices) possuíam em comum. Foi a partir deste sincretismo, ocorrido no interior das senzalas a partir do final do século XVI, que nasceu a primeira manifestação sincrética da religiosidade banto-católica no Brasil: o Calundu.

Seu nome foi originado da palavra banto calundu, que até o século XVIII foi utilizada para designar genericamente a manifestação de práticas africanas relacionadas a danças e cantos coletivos, acompanhadas por instrumentos de percussão, nas quais ocorria a invocação e incorporação de espíritos e a adivinhação e curas por meio de rituais de magia. (49) Como manifestação sincrética banto-católica, o Calundu era organizado basicamente em torno de seu chefe de culto e englobava uma grande variedade de cerimônias que associavam elementos bantos (atabaques, transe mediúnico, banhos de ervas, trajes rituais, sacrifícios de animais), católicos (cruzes, crucifixos, hóstias, anjos e santos) e crenças espiritualistas européias (adivinhação por espelhos, espíritos que transmitem mensagens através de objetos).(50) Por causa disso é possível afirmar que cada unidade de culto do Calundu era único, diferindo dos demais por um ou mais elementos ritualísticos.

O Calundu foi uma manifestação sincrética nacional, existindo relatos dessa prática na Bahia, em Pernambuco e em Minas Gerais, inclusive em várias cidades coloniais da região mineradora, tais como Arraial de São Sebastião, Itapecerica, Campanha e Mariana. Um dos relatos escritos mais antigos sobre o Calundu é o Compêndio narrativo do peregrino da América, obra de Nuno Marques Pereira publicada em 1728, no qual esse viajante português ao indagar o dono da fazenda onde encontrava- se hospedado o que seriam calundus, obteve a seguinte resposta:


“São uns folguedos ou adivinhações que dizem estes pretos que costumam fazer nas suas terras, e quando se acham juntos também usam deles cá, para saberem várias cousas, como as doenças de que sofrem, e para adivinharem algumas cousas perdidas, e também para terem ventura em suas caçadas e lavouras, e para outras cousas.” (51)

Pelo texto dos parágrafos acima, chama atenção a aparente tolerância ao Calundu manifestada pelos proprietários de escravo. Muito provavelmente essa atitude devia-se a crença deles de que com essa prática os africanos manteriam vivas, dentro da senzala, as rivalidades tribais existentes na África, o que dificultaria a formação de rebeliões ou fugas. É importante ressaltar que, apesar dessa tolerância, os aspectos ritualísticos do Calundu ligados à magia e à incorporação de espíritos eram frenquentemente combatidos por serem consideradas coisas malignas, surgindo daí a expressão magia negra para designar a magia voltada para o mal, que na mentalidade da época era “coisa de negro”.
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49 SILVA, 2005, p. 43.
50 SILVA, 2005, p. 45-46.
51 CALAINHO, 2005, p. 69.
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CATIMBÓ OU CULTO À JUREMA

Ao longo de todo o período de escravidão negra no Brasil, inúmeras foram as tentativas bem sucedidas de fugas das senzalas empreendidas pelos africanos. Os relatos dos inúmeros quilombos existentes no país ao longo dos períodos coloniais e imperiais são a prova mais marcante disso. Entretanto, no início, antes do surgimento dos primeiros quilombos, os africanos que conseguiam sucesso em suas fugas só conseguiam abrigo nas aldeias indígenas do interior.

Mais do que abrigar os primeiros africanos bantos fugidos das senzalas, as aldeias indígenas abrigariam toda a cultura e religiosidade deles, que acabaria por influenciar sua própria cultura e religiosidade.

Foi muito provavelmente no nordeste do século XVII, que uma pequena parcela de religiosidade banto acabou se misturando ao sincretismo ameríndio-católica do interior, levando ao surgimento da primeira religião sincrética brasileira surgida da fusão religiosa dos três povos formadores do país: o Catimbó, também conhecido como Culto à Jurema.

O Catimbó é uma religião que existe até os dias de hoje e pode ser encontrado em praticamente todo o nordeste, principalmente no interior. Sua principal matriz religiosa é a ameríndia, misturada a elementos católicos portugueses e com menor ou maior influência africana dependendo do lugar de reunião. Sobre suas práticas religiosas, nos diz Luiz Assunção:




“(...) é um culto de possessão, de origem indígena e de caráter essencialmente mágico-curativo, baseado no culto dos “mestres”, entidades sobrenaturais que se manifestam como espíritos de antigos e prestigiados chefes de culto, como juremeiros e catimbozeiros. Tem por base um sistema mitológico no qual a jurema é considerada árvore sagrada e, em torno dela, dispõe-se o “reino dos encantados”, formado por cidades, que por sua vez são habitadas pelos “mestres”, cuja função, quando incorporados, é curar doenças, receitar remédios e exorcizar as “coisa-feitas” e os maus espíritos dos corpos das pessoas. O culto da jurema caracteriza- se, ainda, pela ingestão de uma bebida sagrada, feita com a casca da árvore e que tem por finalidade propiciar visões e sonhos, e pelo intensivo do fumo, utilizado na defumação feita com a fumaça dos cachimbos.”(52)


Apesar de também existirem a incorporação de Caboclos no Catimbó, seu culto baseia-se principais nas entidades conhecidas como Mestres da Jurema (ou apenas Mestres). É através deles que se realiza o principal trabalho das entidades do Catimbó, a cura de doenças e a receita de remédios para os males físicos, podendo também ocorrer trabalhos para solucionar alguns problemas materiais e amorosos. Cabe também aos Mestres e aos Caboclos realizar a limpeza espiritual dos adeptos e a expulsar maus espíritos das pessoas.

Os Mestres são entidades que se especializam em determinada erva ou raiz e que guardam muitodo comportamento e personalidade de sua última encarnação, o que os torna muito naturais e espontâneos, além de possuírem uma forte ligação com a sua caracterização física. Seu símbolo é o cachimbo e em seus assentamentos é sempre encontrado um fumo de rolo. Uma característica que chama a atenção é que não existem Mestres do bem ou do mal: eles tanto podem trabalhar para um quanto para o outro, dependendo da orientação do local de culto e do médium.

Assim como outras religiões sincréticas, nesta não existe um padrão escrito que torne todos os rituais idênticos em cada local de culto. Além dos fundamentos básicos dessa religião, que são comuns a todos os locais de culto, existem pequenas variações ritualísticas nesses lugares, as quais estão intrinsecamente relacionados aos seus dirigentes, o que faz de cada um deles único em seu formato ritualístico.

Comum a todos os locais de culto do Catimbó é a Mesa de Jurema, altar junto ao qual são consultados os espíritos e onde são oferecidas as obrigações que a eles se deva. Nelas podem ser vistos recipientes de barros contendo troncos de plantas, simbolizando as cidades dos principais Mestres da casa, juntamente com imagens de alguns santos católicos, maracás, cachimbos, taças ou copos cheios de água, chamados de Príncipes e vasilhas redondas de vidro ou louça, chamadas de Princesas. É nas Princesas que são preparadas a bebida jurema e onde são oferecidos alimentos ou bebidas aos Mestres.(53)


Um ritual comum a praticamente todos os locais de culto é a juremação, que consiste na implantação de uma semente da jurema por baixo da pele do discípulo. Existem três diferentes formas para que isso ocorra: na primeira, um Mestre promete ao discípulo e após algum tempo surge a semente por baixo da pele dele; na segunda, o dirigente de culto realiza um ritual onde o discípulo recebe uma semente e o vinho da jurema para ingerir e após sete dias consecutivos, durante os quais ocorre abstinência sexual e nos quais o discípulo é levado em sonhos pela entidades para conhecer as cidades e aldeias onde eles residem, a semente ingerida aparece embaixo de sua pele; na terceira, o juremeiro implanta a semente da jurema, através de um corte realizado na pele do braço.(54)


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52 ASSUNÇÃO, 2006, p. 19.
53 WWW.CATIMBO.COM.BR, 2005.
54 WWW.CATIMBO.COM.BR, 2005.

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CASAS DE CANDOMBLÉ



Ao longo dos séculos XVII e XVIII, cresce o número de cidades em todo o país, particularmente na região mineradora, em parte devido as características dessa atividade econômica. Devido a esse fato, surge uma situação completamente nova em todo o território colonial: o aumento do número de negros e mulatos alforriados (livres) e de escravos circulando com relativa liberdade nessas áreasurbanas. É a partir das residências desses negros e mulatos livres, localizadas em sua grande maioria em casebres e cortiços, que as manifestações religiosas de origem africana encontraram condições mínimas para se desenvolverem, locais onde os afro-descendentes poderiam realizar suas festas com certa frequência e construírem e preservarem os altares com os recipientes consagrados aos seus deuses.(55) E são nessas residências que surge, em fins do século XVIII e início do século XIX, uma nova manifestação sincrética brasileira, que ficou conhecida na Bahia como Casas de Candomblé.

O Candomblé surge com base no fortalecimento das tradições religiosas bantos preservadas no sincretismo do Calundu e a assimilação de algumas poucas práticas indígenas que sobreviviam nos quilombos e nas aldeias indígenas dos arredores deles. É interessante notar a importante relação de ajuda mútua que existia entre as Casas de Candomblé e os quilombos que se localizavam mais próximo das zonas urbanas.

Devido a servirem como moradia e também como local de culto, as Casas de Candomblé se estruturam com base nas famílias-de-santo, que estabeleceu entre seus adeptos uma espécie de parentesco religioso, característica que foi um importante legado a outras religiões sincréticas que se originaram a partir dele.

Assim como outras manifestações sincréticas, nestas não existia uma doutrina formal de culto, um padrão. Além dos fundamentos básicos dessas manifestações, que são comuns a todos os locais de culto, existem pequenas variações ritualísticas nesses lugares, as quais estão intrinsecamente relacionados aos seus dirigentes, o que fez de cada um deles único em seu formato ritualístico.


OS SUDANESES


A partir da década de 1840(56) intensifica-se o tráfico de escravos da etnia sudanesa através da Rota da Mina, que tinha como origem os portos africanos de Lagos, Calabar e, principalmente, São Jorge da Mina, superando no período todas as demais em termos de escravos trazidos ao Brasil.

A etnia sudanesa era originada principalmente da África Ocidental, na região onde hoje estão localizados Nigéria, Benin, Togo e Gana e é formada pelos povos iorubá, ewe, fon e mahin, entre outros. À semelhança do que ocorreu com a etnia banto, muitos escravos da etnia sudanesa ficaram conhecidos como mina no Brasil, em virtude do porto em que embarcavam na África: São Jorge da Mina.

Apesar de inicialmente muitos terem ficados conhecidos apenas como mina, ao longo do século XIX os escravos da etnia sudanesa passaram a ser conhecidos sobre outra nomenclatura, devido a rivalidade e a diferença cultural existente entre os povos iorubá e ewe/fon, que foi transportada da África para o Brasil junto com eles. Dessa forma, o povo iorubá passou a ser conhecido no Brasil como mina-nagô ou nagô, enquanto os povos ewe, fon e mahin ficaram conhecidos como mina-jeje ou jeje, termo este que advém do iorubá adjeje que significa estrangeiro, forasteiro e era usada de forma pejorativa pelos iorubás para designar as pessoas que habitavam a leste de seu território. Os nagôs que foram trazidos para o Brasil tinham como idioma a língua iorubá e cultuavam um deus supremo chamado de Olorun ou Olodumaré e a natureza deificada, personificada nas divindades chamadas Orixás. Apesar de na África existirem cerca de 400 Orixás, a grande maioria deles era cultuada em apenas uma cidade, aldeia ou tribo, sendo poucos os que possuíam um culto em várias localidades. Os jejes que foram trazidos para o Brasil cultuavam uma divindade suprema chamada de Mawu e a natureza deificada, personificada nas divindades chamadas Voduns. Apesar de na África existirem cerca de 450 Voduns, e a exemplo do que ocorreu com os Orixás, a grande maioria deles era cultuada em apenas uma cidade, aldeia ou tribo, sendo poucos os que possuíam um culto em várias localidades. Assim como ocorreu com os bantos, os escravos sudaneses trouxeram para o Brasil parte de sua cultura e de suas crenças religiosas, que foram pouco a pouco levadas para dentro de algumas manifestações sincréticas aqui existente, devido aos negros alforriados e aos escravos fugidos que buscavam refúgio nos quilombos, levando ao aparecimento de diversas religiões sincréticas em solo brasileiro no século XIX, muitas delas com base nas Casas de Candomblé.


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55 SILVA, 2005, p. 48.
56 SOARES, 2006, p.47.
57 Mina ou Nagô fotografada por Auguste Stahl em 1865
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OS SINCRETISMOS SURGIDOS NA BAHIA DURANTE O PERÍODO IMPERIAL

CANDOMBLÉ DE NAÇÃO


Com a intensificação da adição de elementos sudaneses às Casas de Candomblé no séc. XIX, estas acabaram por dar origem a uma nova religião sincrética brasileira conhecida como Candomblé de Nação(58), a qual encerra dentro de si três modelos de culto relacionados as principais etnias e povos trazidos como escravos para o Brasil: a banto, a sudanesa nagô e a sudanesa jeje.

O modelo de culto banto é o mais difundido em todo o Brasil, podendo ser encontrado principalmente nos estados da Bahia, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Pernambuco, de Minhas Gerais, de Goiás e do Rio Grande do Sul. Ele é formado pelas nações Angola, Congo e Muxicongo, cuja principal diferença reside na língua de origem banto utilizada nos rituais. Apesar dessa diferença na língua, existe uma grande semelhança entre os rituais, o que faz com que atualmente alguns pesquisadores considerem todas as nações fundidas na Nação Angola.


O modelo de culto sudanês nagô é formado pelas nações Ketu (ou Queto), Efã e Ijexá. O Candomblé de Nação Ketu é praticado em quase todo o Brasil, principalmente na Bahia, sendo o que apresenta atualmente a maior divulgação nacional entre todos os Candomblés de Nação, devido ao grande número de escritores e cantores baianos que passaram a divulgá-lo. O Candomblé de Nação Efã é praticado principalmente nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. O Candomblé de Nação Ijexá é praticado principalmente na Bahia.(59)


O modelo de culto sudanês jeje é formado pelas nações Jeje-Fon e Jeje-Mahin. Tanto o Candomblé de Nação Jeje-Fon quanto o Candomblé de Nação Jeje-Mahin são praticados principalmente na Bahia, podendo ser encontrados também no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e em São Paulo.(60)


Contando com a relativa liberdade religiosa dos séculos XX e XXI, os adeptos dos Candomblés de Nação procuram reproduzir em solo brasileiro a forma como suas divindades eram cultuadas por seus ancestrais africanos, o que levou alguns deles a realizarem pesquisas in loco em aldeias e templos na África para aprenderem os rituais que foram perdidos nas brumas do tempo da escravidão.

Os Candomblés de Nação Angola, Congo e Muxicongo cultuam um deus supremo chamado Nzambi ou Zambi (também conhecido como Nzambi Mpungu ou Zambiapongo) e a natureza deificada, personificada nas divindades chamadas Inquices. Os atabaques são tocados com as mãos e as cantigas possuem muitos termos em português.

Os fundamentos dos Candomblés de Nação do modelo de culto banto, muitos dos quais incluem ou são baseados nas histórias, lendas e mitos acerca dos Inquices, são passados oralmente pelos sacerdotes da religião, chamados de Tata Nkisi (masculino) ou Mametu Nkisi (feminino). Para se atingir o grau de sacerdote na nação Angola é necessário passar por sete rituais, os quatro últimos ligados ao tempo de iniciação na religião (1 ano, 3 anos, 5 anos e 7 anos), nos quais são ensinadas as tradições religiosas, as danças, as cantigas, o preparo das comidas sagradas, a cuidar de espaços sagrados 
e os votos de segredo e obediência. Completada esta etapa, o novo sacerdote deve renovar as obrigações maiores de 7 em 7 anos para conservar-se forte.
Além do jogo de búzios, os Candomblés de Nação Angola, Congo e Muxicongo utilizam um outro sistema divinatório chamado de Ngombo, cujo responsável pela prática é conhecido como Kambuna.
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58 - O termo nação associado ao nome da religião foi adotado pelos seus adeptos com o objetivo de distinguir a forma de
culto das divindades, associado a etnia africana da qual descenderiam.
59 - MANUELA, 2007.
60 - MANUELA, 2007.
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